RELAÇÃO ENTRE RISCO E ESTILO DE VIDA
Em postagem anterior (Risco X Segurança na Pandemia) nós introduzimos o conceito de risco dentro da epidemiologia, e mostramos algumas formas de mensurá-lo objetivamente. Neste post abordaremos a relação entre o risco e o tão famoso estilo de vida, nos baseando principalmente no segundo capítulo do livro de David Castiel: Correndo o Risco.
O nascimento da epidemiologia durante os séculos XVIII e XIX foi fundamental para que se desenvolvesse um tipo específico de raciocínio que possibilitasse uma mensuração objetiva de riscos. Ela se apoia em duas pressuposições: (1) nenhuma doença ocorre por acaso e (2) os fatores causais podem ser identificados através de investigação sistemática. Inicialmente, a epidemiologia surge com intuito de conter epidemias. John Snow (1813-1858), considerado o pai desta ciência, conseguiu conter a epidemia de cólera na Inglaterra usando somente as ferramentas analíticas (distribuição de doença* e associação entre doença e exposição) que ela proporciona, antes mesmo do desenvolvimento da teoria do germe formulada por Pasteur, antes mesmo de se conhecer o agente etiológico da cólera, o vibrio cholerae. Porém, essa forma de pensar e analisar a realidade, como todas, têm suas limitações.
Durante o século XX, a incidência de doenças crônicas não-transmissíveis começa a aumentar de forma geral. Então a ideia de medir a associação entre doença e exposição que buscava por agente etiológico causador passa a não mais dar conta de apreender as causas de desfechos/agravos, pois as doenças crônicas não-transmissíveis possuem causas multifatoriais que se entrelaçam de forma complexa. É então que a epidemiologia dos fatores de risco (“rede de causação”) passa a se sobrepor à epidemiologia dos modos de transmissão (agente causal). A partir dessa ampliação dos objetos de análise epidemiológicos, amplia-se consequentemente as propostas de intervenção que agora não querem somente eliminar agentes causais, mas também eliminar os fatores de risco à saúde.
Os resultados das análises epidemiológicas passam a gerar prescrições comportamentais que visam reduzir riscos à saúde, só que em sua maioria não considera os condicionantes sociais, econômicos e culturais de indivíduos e populações, ou os Determinantes Sociais da Saúde (DSS). Isso pois a objetividade da racionalidade epidemiológica, que inclusive sustenta a perspectiva de promoção da saúde comportamentalista/conservadora, atribui a si mesma, implicitamente, uma certa superioridade para resolução de problemas relacionados à saúde. Contudo, as decisões comportamentais tomadas cotidianamente pelas pessoas não se apoiam naturalmente nesse tipo de racionalidade, tendo como influência diversos condicionantes que se entrecruzam. E essa não consideração dos DSS que influenciam as vidas das pessoas pode levar ao risco de se culpabilizar indivíduos por não cumprirem recomendações impossíveis de serem seguidas no contexto em que se vive. Portanto, tal tema deve ser alvo de muita reflexão crítica principalmente nesse contexto de pandemia em que vivemos atualmente.
*OBS: Usamos o termo doença, em alguns trechos, e não desfecho/agravo pois no nascimento da epidemiologia se investigava epidemias relacionadas a doenças transmissíveis, com agente etiológico identificável.
Referência:
Risco e Estilo de Vida Saudável. In: CORRENDO o risco: uma introdução aos riscos em saúde. [S. l.: s. n.], 2015. cap. 2.
Autoras: Yasmin e Ana Augusta
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